domingo, 16 de outubro de 2011

Entrevista ao JN de D.Cordeiro



Dizem que é o bispo do Facebook, que utiliza as novas tecnologias para evangelizar e que o faz após doze anos a viver em Roma. Agora, por escolha do Papa Bento XVI, regressa para a parte mais esquecida de Portugal: Trás-os-Montes. É o novo bispo de Bragança-Miranda, qualquer uma delas terra esquecida no mapa das auto-estradas e desertificada de muito dos valores humanos que por aí ainda poderiam viver se a situação fosse outra. Garante que deixar de estar na cosmopolita capital italiana não o preocupa, promete antes que vai dedicar-se à missão que lhe foi confiada entre muitos idosos que só esperam pelo céu e poucos novos que só têm pela frente o inferno da crise económica
Um dos pecados deste mundo contemporâneo é a fé nas estatísticas. Para Dom José Cordeiro, que o afirmou num dos livros que publicou, os números não significam a verdade nos tempos que correm. Mas, os números respondem-lhe com coincidências, como é o caso de ser o 44.º bispo da diocese aos 44 anos de idade. Ou, com empolações, ao fazer-se a contagem de habitantes da região e de crentes: 151 700 almas para 149 200 católicos. Quanto ao primeiro malabarismo numérico nada pode fazer, é a verdade mais pura. No caso dos segundos, nega que se mantenham assim, mas apenas corrige o número de habitantes para 136 459. O de crentes é coisa que fica para outras homilias.
José Manuel Garcia Cordeiro nasceu em Angola no ano de 1967, em Vila Nova de Seles. Em 1975, foi um entre o milhão de portugueses que retornaram ao continente, mais precisamente à aldeia de Parada de Alfândega da Fé, onde a família se instalou num novo ciclo de vida. O actual bispo foi ordenado padre em 1991, iniciando o seu percurso na região em que agora é a figura hierárquica mais importante. Formado em Filosofia e Teologia pela Universidade Católica do Porto, torna-se pároco e exerce até 1999 funções de formador no seminário transmontano e de capelão do Instituto Politécnico de Bragança. Nesse ano, deixa a diocese e vai licenciar-se em Liturgia no Pontifício Ateneu de Santo Anselmo em Roma, onde se doutora na mesma disciplina em 2004, momento a partir do qual se torna professor nesta instituição. No entretanto, desde 2001, é nomeado vice-reitor do Pontifício Colégio Português e, em 2005, reitor. Em 2010, verifica-se a primeira decisão papal sobre o futuro bispo, quando Bento XVI o investe como consultor da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Menos de um ano depois, o Papa anuncia-o como mais jovem bispo da Europa, e Dom José Cordeiro regressa à região onde se tornou adolescente e, entre outras actividades, jogava à bola com os amigos. A posição no campo de futebol era de guarda-redes, lugar onde se notabilizou por monumentais frangos, sem visibilidade comparável com a que o futuro lhe iria proporcionar, como é o caso da sua ordenação recente.
Se a cerimónia de ordenação episcopal do padre José Cordeiro já era notícia pela juventude do novo bispo, mais surpreendeu pela afluência popular à polémica Sé Catedral de Bragança. Mas, a 2 de Outubro, os comentários não eram dirigidos à derrapagem nos custos das obras da nova sé de Bragança, ou à dificuldade em pagar a dívida, mas sobre o inesperado número de presenças no acto. Entre oito a dez mil pessoas fizeram questão de assistir à ordenação de Dom José Cordeiro, que contou com a presença do cardeal patriarca e um discurso onde Dom José Policarpo pedia ao novo bispo para "cuidar da vinha" sem se esquecer que "fazia parte dela". Um aviso para os trabalhos que o religioso terá de enfrentar na região que vai espiritualmente administrar, através da utilização de uma imagem das mais emblemáticas e simbólicas da Bíblia. Precisamos é de saber as causas, porque é que há vocações numa parte do mundo e aqui não
Uma semana depois, num dos seus primeiros actos como bispo, surpreendeu novamente ao ser recebido na Igreja de Miranda do Douro e falar aos fiéis na sua segunda língua oficial, o mirandês, como forma de apaziguar as reacções de há uns anos, quando Miranda foi despromovida no seu estatuto diocesano. Agradece que o seminário da diocese tenha poucos alunos, porque é necessário definir-se o perfil do novo padre e respeita as decisões do Vaticano sobre questões polémicas, como a ordenação de mulheres, utilização do preservativo e o sexo antes do casamento. Saber contornar as dificuldades, parece ser o seu lema.
Os seus colegas padres irão aceitar facilmente que um bispo de 44 anos vá mandar numa diocese tão antiga como é Bragança-Miranda?
Creio que sim, basta ver o acolhimento e a participação de outros bispos na minha ordenação episcopal e no início do ministério pastoral. Não sei se é por ser o mais novo, mas tenho sentido deles maior disponibilidade e abertura e, ao mesmo tempo, também me disponibilizei para que a colegialidade episcopal seja efectiva e afectiva e, no âmbito da sacramentalidade da sucessão apostólica, trabalhemos como um só corpo.
O elevado número de pessoas que assistiram à sua ordenação é pouco habitual?
Foi uma grande surpresa, que é em si mesmo uma manifestação do acolhimento do povo e da Igreja pela novidade do evangelho e não pela novidade do bispo, porque não quero esse protagonismo.
Um protagonismo a que não se pode furtar porque é através de alguém novo que as pessoas acreditam que pode acontecer alguma coisa de diferente na região?
Espero contribuir para isso, mas peço que não criem ilusões nem fantasias acerca daquilo que não é real em relação à missão episcopal na diocese de Bragança-Miranda.
Já entendeu que o que lhe pedem é muito?
Sim. Mas o que eu espero também é muito.
A exigência de muito de um lado e do outro vai resultar?
Acredito que sim. As expectativas são muitas em relação a mim mas, da minha parte, em relação à diocese, também são bastantes. Há coisas que começam já a delinear-se, tanto no campo da comunicação social como no da comunicação do evangelho, com base nas novas linguagens das redes sociais, de modo a tornar Bragança também um pólo de reflexão teológica ao mais alto nível, com benefício social, económico e político para a região.
O uso de novas tecnologias, como o Facebook, não faz parte da expressão normal da Igreja portuguesa. Porque o faz?
Não costuma ser, mas terá que passar a ser normal porque se são novas linguagens para a minha geração, para os mais novos são as naturais. Queremos, contudo, privilegiar sempre a relação directa, olhos nos olhos, o coração no coração, e passar do virtual ao real. No entanto, para os emigrantes e os jovens, o primeiro passo passa necessariamente por estas novas linguagens.
A diocese é apresentada com um número de habitantes quase igual ao de católicos. É mesmo assim?
Sim. Antes, ser transmontano e cristão parecia quase uma mesma coisa; hoje, não é exactamente assim mas não anda longe.
Considera que é fácil a transmissão do evangelho quando as pessoas estão mais preocupadas com questões terrenas, como a crise, e pouco espirituais?
Não há nada mais material do que o cristianismo. Aliás, é na integração perfeita do espiritual e do material que nos conjugamos, porque mesmo o próprio homem não é corpo mais alma, é corpo e alma e uma só pessoa. Portanto, mesmo nestes tempos de crise, a Igreja pode ser uma companheira nos tempos de crise. E a crise não é apenas económica e financeira, como cada vez mais se evidencia, é também de valores humanos.
Não concorda que se esteja menos preocupado com as questões espirituais?
Concordo que num primeiro momento a situação de crise possa distanciar a propostas do cristianismo, mas também pode ser a oportunidade de uma maior aproximação. Não no sentido de proselitismo ou de aumento da Igreja, mas no sentido do centrar a vida nos verdadeiros valores, porque há muitas coisas que fazemos e que são perfeitamente secundárias.
O bispo de Santarém disse recentemente que a ausência de Deus na cultura actual era um dos maiores problemas. Esta crise pode resolver essa questão?
Esta crise pode aproximar de Deus porque, contrariamente ao que as pessoas pensam, que é um ser que possa governar lá do alto e que não tem nada a ver connosco cá em baixo. Deus dá sobretudo o sentido da vida actual e futura e esta reserva escatológica que a Igreja pode oferecer é uma perspectiva mais ampla para além da existência terrena.
A própria Igreja está a aproveitar esta crise para mostrar o seu papel, criticando a governação e a diminuição do estado social. Essa é uma preocupação?
A Igreja sempre foi e é chamada a ser cada vez mais perita em humanidade. E não se aproveita da crise porque essa foi sempre a sua missão. Nesta crise, talvez a sua missão se torne mais visível porque está mais próxima das populações e do conhecimento e da vivência real dos seus problemas.
Tem sentido na sua diocese uma grande sofreguidão popular para se encontrar respostas para esta crise?
Sim. Não é só de agora, já se arrasta há muito tempo porque, mesmo neste país em que vivemos tantos anos de democracia, as assimetrias em relação ao interior são muito grandes. Até há bem poucos dias, éramos o único distrito em Portugal que não tinha um metro de auto-estrada! As políticas de desenvolvimento têm que ter muito maior atenção ao interior, não queremos privilégios mas justiça social e qualidade de vida que permita às pessoas fixarem-se na região e projectarem o presente e o futuro. E a Igreja, naquilo que lhe toca, tudo fará para as dimensões de pré-política, pré-economia ou pré-finança, sobretudo no âmbito da formação, sejam cada vez mais plenas naquele lugar que se chama o nordeste transmontano, onde a diocese de Bragança-Miranda se situa. Mas não podemos esperar soluções caídas do céu aos trambolhões, nem estar constantemente à espera dos subsídios ou das apostas do Estado. As pessoas têm que ser uma minoria criativa e, através das micro, pequenas e médias empresas, gerar as riquezas necessárias para uma vida feliz.
Como é que se concilia o papel da Igreja com o que deve mudar na sociedade?
Desde 1910 que vivemos uma lei da separação Igreja e Estado, que têm o mesmo objectivo no âmbito da acção social - o bem comum - e, por isso não há nenhum choque nessa situação. Há uma complementaridade, que o facto de ser católico faz aumentar a responsabilidade de ir ao encontro do próximo.
Mas este acaba sendo um tempo propício para a Igreja poder mostrar o que é que se pode fazer?
Sim, mas mais do que isso. Pode fazer um apelo não só à generosidade dos que mais têm, mas que invistam para que se gere maior riqueza e mais emprego.
Saiu de Bragança há 12 anos. Era um tempo de mais de fartura do que o actual?
A diferença é grande, pela positiva. Podemos estar a viver a crise a nível global mas as condições em Bragança melhoraram substancialmente nestes 12 anos e vive-se melhor. Mas há muito mais a fazer e vejo que há vontade nas autoridades para tal, a prova é de que a maioria das autoridades autárquicas, civis, académicas e de segurança estavam presentes na minha ordenação. O ideal era que pudéssemos falar a uma só voz.
Sente falta da vida em Roma?
Não. Eu sempre me senti um romeiro e não um romano em Roma. Estive sempre em nome da diocese de Bragança-Miranda e da Igreja portuguesa no Colégio Português e foi também nessa perspectiva que aceitei este ministério agora. Considero Roma uma grande escola e um privilégio único experimentar-se ali a catolicidade da Igreja e apreender um grande respeito pelas culturas e maneiras de ser, de estar e de viver. O que ali experimentei é uma mais-valia para uma realidade muito mais concreta que é Bragança.
Em Bragança vai ser um pouco romano?
Sim, um pouco de Roma ao usar essa experiência e canalizá-la a favor do bem da Igreja e das populações de Bragança.
Depois da sua licenciatura em Teologia acabou por se doutorar em Liturgia. Do que consta este doutoramento?
A liturgia é sobretudo a celebração do mistério de Cristo e da história da salvação. É a Igreja em oração, ou seja é a Bíblia rezada.
Quando estudam com grande profundidade esses temas, muitos padres têm problemas de fé. Isso aconteceu-lhe?
É salutar ter dúvidas de fé e passar por crises. Quando se fala da crise económico-financeira, esta acaba por ser um bem quando é uma nova oportunidade e nos exige uma decisão. Passei por algumas dúvidas, com certeza, porque uma coisa é o que vamos construindo com a formação que recebemos e outra é a específica naquela área. Recordo o que costumava dizer aos meus alunos, antes sabemos um pouco de tudo e agora é preciso saber tudo daquele pouco. Então, podem surgir algumas dúvidas de fé ou existenciais, mas são só um sinal de inteligência e de abertura, de que começamos a tocar o mistério de Deus. Eu acredito que quem busca Deus e quem tem dúvidas de fé é sinal que já o tocou, mesmo sem o saber.
O estudo da Liturgia reforçou a sua fé?
Sem dúvida. O estudo e a relação não só reforçou como aumentou e tornou-me uma pessoa mais livre e independente na reflexão teológica ao dominar muito melhor os temas sem ter que recorrer a outros autores, por ter ido às fontes da Teologia e às bíblicas para fazer do mistério de Cristo o sentir da minha vida. Daí eu ter escolhido o lema do meu episcopado, "Ad Docendum Christi Mysteria", isto é, "Para mostrar os mistérios de Cristo". A maior novidade da minha tese de doutoramento foi sobretudo esta frase, porque conjuga aquilo que é chamado o ministério com o sacramento, isto é, a parte divina e a parte humana, a parte espiritual e a material.
O próprio Papa está muito preocupado com a crise de fé na Igreja.
É verdade. O Papa tem surpreendido muito com as suas atitudes, tal como quando disse que os graves problemas estavam dentro da Igreja. Resulta do distanciamento do essencial, do mistério único de Deus e de não partimos de Cristo. A fé é antes de mais um dom de Deus e um cultivo da nossa inteligência e vontade.
Costuma-se dizer que o conhecimento e a fé não andam de mãos dadas. No caso deste Papa, sendo uma pessoa extremamente culta, isso é desmentido!
Sim, é um grande pensador e foi um grande teólogo. Hoje é o Papa, portanto está ao serviço do magistério, mas o conhecimento e a fé têm que andar de mãos dadas. Isto é: Deus está para alem da razão, mas não é contra a razão.
Mas não há incompatibilidade entre a razão e a fé?
Não pode haver, porque senão caímos no fundamentalismo. E hoje vivemos não apenas uma época de mudanças mas, acredito, uma mudança de época. Não só por causa do relativismo mas, sobretudo, por causa do fundamentalismo: que é a fé sem a razão e a razão sem a fé.
Que é o caso do islão?
Sim, mesmo não me atrevendo a dizer tanto, porque com muitos muçulmanos é possível o diálogo. O Corão é um livro de paz e de diálogo, oxalá em breve também o islamismo se possa confrontar e aceitar uma abertura ainda maior.
O Islão vai ocupando grande parte da Europa...
Sim, é uma realidade.
... E enquanto isso, a Igreja católica vai-se deslocando muito para o terceiro mundo. É esse o caminho, o islão ir ocupando a Europa e o cristianismo ir evangelizar longe?
Isso não sei prever. Sei é que no primeiro milénio foi sobretudo a Europa; no segundo milénio a África e no terceiro está a delinear-se na Ásia. Não sei se isso é um sinal dos tempos, que nos obriga a reflectir, sobretudo nesta velha Europa.
Recentemente, D. Manuel Clemente disse que a Igreja estava envelhecida e distante da realidade. O seu propósito é tentar mudar isso na diocese?
Sim! A começar por mim! Exige uma grande conversão pastoral, isto é, uma mudança de atitudes, de pensamento e de acção para voltar ao essencial: ao evangelho. E a crise que vivemos de algumas vocações faz com que exista uma grande preocupação sobre o activismo da parte dos membros do clero em geral. Esse activismo é uma nova forma de clericalismo que nos distancia das pessoas, porque nos proíbe estar na sua proximidade. Faz-nos correr de um lado para o outro e andar numa itinerância permanente em ver de servir. Iremos fazer o que estiver ao nosso alcance para que os padres sejam só padres, os leigos só leigos, e nesta missão estar ainda mais próximos dos reais problemas das pessoas e do seu quotidiano.
Pretende dar muita força ao seminário de Bragança. Esta instituição será o motor da diocese?
Sem dúvida! Quero que forme os padres para a Igreja de hoje e como Bragança tem neste momento poucos seminaristas é preciso aproveitar esta circunstância para reflectirmos qual o perfil do padre que queremos para amanhã. Porque não podemos enfrentar o futuro com as soluções do passado! Estes problemas reais interpelam-me a ocupar-me ainda mais numa formação para que a Igreja possa ser uma resposta de esperança à vida deste tempo.
Conseguirá encontrar um perfil para o padre que faz falta?
Creio que sim. Para já, não tenho soluções nem receitas, mas temos de encontrar a partir da nossa própria realidade e das conclusões que iremos retirar da Assembleia do Clero e, a partir daí, caminhar para não ficarem apenas em meras e belas ideias mas passar-se à acção.
Encontrar esse perfil é um desejo da Igreja portuguesa?
É uma exigência do nosso tempo. Não é um desejo, um sonho ou uma birra pessoal.
Bragança e Miranda já deu muitos seminaristas. A crise de vocações irá diminuir na região?
Esperemos que sim, na medida em que a Igreja for cada vez mais autêntica e fiel ao evangelho não faltarão vocações para o seu serviço. Claro que há muitas causas nesta diminuição, antes a única instituição académica em Bragança era o seminário e hoje há outras, para além de terem diminuído o número de filhos.
Quer dizer que o problema não está na Igreja?
É um problema geral. A Igreja tem que fazer a sua reflexão e pensar no porquê. Se noutros lugares do mundo existem tantas vocações, porque nunca na Igreja houve tantos padres como hoje, atrevo-me até a dizer que nunca a Igreja esteve tão bem como hoje! Precisamos é de saber as causas, porque é que há vocações numa parte do mundo e aqui não; se Cristo é o mesmo; se o evangelho é o mesmo e se a mensagem é a mesma. Se é falta de comunicação ou de testemunho?
É mais fácil passar o testemunho na Ásia do que na Europa?
A frescura do evangelho na Ásia pode não ter tantos vícios como aqui, onde existe muito pó que é preciso limpar para que o fascínio e a beleza do evangelho se torne mais cativante abra o coração a muitos jovens para que dediquem a sua vida por inteiro ao serviço de Cristo e da Igreja.
O que quer dizer por vícios?
Sei lá, tantos pecados. A Igreja não está imune de pecados e de problemas; se calhar preocupou-se com coisas secundárias que podem não ser a sua missão essencial. Quando eu dizia há pouco que os padres devem ser só padres é porque há um específico do seu ministério que deve ser salvaguardado e o resto só se faz se houver disponibilidade. Há que dar prioridade tanto ao nível sacramental como ao da evangelização, o resto pode ser feito por leigos, ainda com maior competência, do que propriamente pelos clérigos.
Também o desmontar das ideias da Bíblia, como explicar que o paraíso não é bem aquilo que sempre se referiu ser, não faz com que muita gente se questione?
Mas isso é muito positivo, isso é o que nós queremos! Formar ao nível bíblico, teológico e filosófico e que as pessoas acreditem com convicção e não apenas por mera tradição ou herança dos pais e dos avós que são cristãos, como poderiam ser de outra religião qualquer. Que o sejam em plenitude e em consciência, é a isso que vamos dar grande prioridade.
Quando chegou a Bragança, beijou a terra. Não sentiu nenhum amargo?
Beijei sim e não senti amargo. Lembrei-me do Papa Paulo VI quando chegou à arquidiocese de Milão, que teve exactamente o mesmo gesto, num dia de chuva, e foi criticado por muita gente. Eu fi-lo num acto isolado e num dia de sol. Beijei o pó e a terra, sabendo que ela é amarga mas que é bafejada pela Páscoa de Cristo e isso é que nos faz não ter medo.
Disse que tinha muito que aprender para poder ser bispo. Como é que vai ser esta aprendizagem?
Vai ser numa relação constante com Cristo e com o seu evangelho e também com a ajuda e colaboração do episcopado. Em Novembro, já vou ter a primeira experiência na assembleia plenária da Conferência Episcopal Portuguesa, e quero estar em estado permanente de aprendizagem e de missão até à hora da morte.
Surpreendeu-o quando o Papa o escolheu para ser bispo?
Muito! Em especial, o facto de me escolher para a diocese da qual sou oriundo. Eu sou um deles, o que dá vantagens e desvantagens.
Foi uma escolha divina ou pensada?
As escolhas divinas são pensadas pelos homens nestes casos, que obedecem a um processo como é natural. Mas, uma vez assumida pelo Papa e por todo o processo e o discernimento que a Igreja tem, eu não tenho dúvidas. E se tivesse, a partir do momento em que fui nomeado por ele, e que fui ordenado pela imposição das mãos dos bispos e pelo cardeal patriarca, deixaria de ter qualquer dúvida. Portanto, é uma escolha de Deus pela mediação da Igreja.
É com atitudes destas que o Papa vai fazer renascer a Igreja, como ele próprio pretende?
Espero que sim. Essa é uma sua grande preocupação, sobretudo na Europa, a que chama a nova evangelização. E se para alguns era uma dificuldade a minha idade, para o Papa não o foi. Daí, o facto de eu ter dito que foi um acto de coragem e de confiança da parte de Bento XVI.
Num dos seus livros diz que as estatísticas que são a ruína do mundo. É verdade?
São a nossa ruína, sim.
Preocupou-o a coincidência de ter 44 anos e ser o quadragésimo quarto bispo desta diocese?
Fez tremer um bocado! Quando digo que as estatísticas são a nossa ruína é pelo facto de não podermos ser pressionados ou conduzidos por dados meramente sociológicos. Claro que temos que os ter em conta e devem servir como referência. As estatísticas podem-nos ajudar mas nunca retirar do essencial, ainda que sejam as mais negativas como nesta crise, como na crise das vocações em Bragança, mesmo numa crise económica e financeira nos órgãos da própria diocese. É neste sentido que não me podem retirar a esperança e do essencial da missão que é evangelizar

Significando a palavra crise "tempo de purificação", até pode ser um benefício?
Já tenho dito nos encontros informais com os padres que este é um tempo de mudança que exige uma decisão, uma conversão e uma mudança. É uma interpelação forte à qual não podemos fugir, nem pôr a cabeça debaixo da areia.
Numa terra tão desertificada, não teme ser um pastor sem rebanho?
Não! É desertificada, mas as pessoas que lá estão dão bem que fazer!
Parece que mesmo bastante!
Eu penso que sim. Vão exigir muito de mim, mas também vou exigir muito deles.
Já lhe começaram a fazer perguntas sobre o custo da catedral de Bragança?
Sim. Esse é um dos dossiers, não o pior, na diocese. E até a esse nível é preciso pôr ordem, com a colaboração de gente perita em economia e não agir como francos atiradores ou sonhadores. Não sei se essas obras eram prioridade mas assim o entenderam; as dívidas estão aí, vamos enfrentá-las e ultrapassá-las, se Deus quiser. Não sei como, nem tenho soluções. Vou tomando progressivamente conta dos dossiers e desses grandes fogos na diocese. Mas, oxalá fosse esse o único, porque há outros muito piores e não me assusta uma dívida de que andará à volta de 250 mil euros.
Que dossiers considera que são piores do que este?
Outros, muito piores, nas estruturas da vida da diocese. Não quero avançar no tema porque ainda não as afrontei juntamente com o clero.
Sendo um bispo tão novo, vão-lhe colocar as questões que estão em debate na sociedade, designadamente a questão de as mulheres poderem ou não ser padres. O que pensa?
São questões que pairam no ar, mas o magistério universal da Igreja já se pronunciou sobre isso. Tanto João Paulo II como Bento XVI disseram o que acharam e nós, por obediência e na relação da fidelidade da comunhão, dizemos o mesmo.
Também existem temas quentes, como a virgindade e o sexo antes do casamento; o preservativo. Também partilha das ideias oficiais?
Completamente, não tenho que ter outra postura. Numa compreensão mais positiva, não é proibir isto ou aquilo, mas é chamar a atenção para o essencial: o amor e a relação entre as pessoas é a seriedade e a co-responsabilidade na vivência da própria sexualidade, que no fundo é o corpo.
As pessoas levam outras preocupações para a Igreja, como as que vivem em tempos de terrorismo e de guerras?
Levam, afinal a globalização faz tudo isso entrar nas suas casas, tal como a comparação com outras religiões e outras fés. Quando levam essas questões, querem uma resposta imediata, só que isso não acontece. Deus não nos resolve os problemas num acto mágico. Sabemos que Ele suportou e nós também somos chamados a fazê-lo.
Entre as várias prioridades da diocese está a renovação pastoral?
Sem dúvida, até por exigência do próprio evangelho. A reorganização não é só por causa da falta de padres, mas pela compreensão de uma vida de comunhão, de missão, de participação. Sobretudo numa Igreja ministerial e ainda muito clerical, tal como acontece em Bragança, onde é preciso transformar esse clericalismo em participação.
Por isso é que escolheu para título de um dos seus livros O Padre, do Mistério ao Ministério?
Não somos definidos a partir daquilo que fazemos mas do que somos. E aí o mistério é partir de Cristo para o testemunhar no nosso serviço, o ministério.
Porque é que sente necessidade de escrever?
Esse foi a minha tese de licenciatura transformada em livro. Os outros não foram propriamente livros, como Grão de Amendoeira, e o que está para sair, O Bispo Servidor da Esperança. Que são uma recolha dos textos que usei em diversos retiros e conferências, em Angola, Moçambique, Brasil, Timor e em Portugal, e o padre Tolentino fez sempre a surpresa, tanto num como no outro, de publicar. Não têm uma arquitectura de livro, são temas harmonizados e coordenados entre si.
Quais são os seus piores demónios?
Sei lá, deve haver muitos... Talvez a solidão que possa existir nas gentes de Bragança, a falta de comunicação, a incompreensão ou a ingratidão relativamente ao que se possa vir a fazer. Mas sempre considerei como o maior demónio daquela realidade a intriga. Nos meios pequenos isso é muito normal, seja dentro da Igreja como fora, e por isso propomo-nos falar claro para que a comunicação facilite o acesso ao mistério.
Como o fará?
Nada substitui a relação humana. Queremos melhorar a comunicação, não só com a constituição de um gabinete de informação; de um porta-voz e de um novo site da diocese. Não nos fecharemos como uma ilha.

Sem comentários:

Enviar um comentário