segunda-feira, 20 de setembro de 2010

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Bento XVI em Inglaterra

A visita do Papa ao Reino Unido

A 16 de Setembro o Papa Bento XVI chega a Edimburgo, na Escócia, para a primeira visita de Estado de um papa ao Reino Unido; a visita de João Paulo II em Maio de 1982 foi uma visita pastoral. Este facto é digno de nota quando nos lembramos da relação atribulada entre Inglaterra e Roma desde o Sec XVI quando Henrique VIII (1491-1547) se auto-declarou, através do Acto de Supremacia em 1534, Chefe da Igreja em Inglaterra recusando a autoridade do Papa que não reconhecia o seu divórcio de Catarina de Aragão e o seu segundo casamento com Ana Boleyn. Este facto, conjugado com a onda reformista que varria o norte da Europa nessa época, levou a que a figura do papa fosse vilipendiada durante séculos e os católicos fieis a Roma fossem denominados papistas – ainda hoje, a 5 de Novembro, data em que se recorda o atentado do católico Guy Fawkes ao Parlamento no Sec XVII, em Lewes, no sul do país, é queimado na fogueira um boneco vestido de papa. Nenhum católico foi chefe do governo e é proibido por lei o casamento de um herdeiro ao trono com um católico, pois ainda existe entre alguns a suspeita de que a sua lealdade ao Vaticano teria mais peso numa decisão de Estado do que a sua lealdade à pátria. Tony Blair, ex-primeiro-ministro do Governo Britânico, só se converteu ao Catolicismo depois de sair do poder embora fosse regularmente à missa com a sua mulher e os seus filhos, todos católicos.
É difícil para um católico português compreender o que foi ser católico em Inglaterra até há poucas décadas. Segundo o censo de 2001 há 4.2 milhões de católicos no Reino Unido, cerca de 8% da população, muitos descendentes de irlandeses que imigraram no sec. XIX quando se deu o Acto de União entre Inglaterra e a Irlanda. Este número aumentou nos últimos anos devido à entrada no país de um grande número de polacos. Mas durante séculos a população católica resumia-se a várias famílias denominadas recusants por se recusarem assistir aos serviços religiosos anglicanos. Maioritariamente viviam no norte do país e, até princípios do séc. XIX, eram perseguidos, multados, acusados de criminosos e alguns martirizados. Vários seminários, financiados por estas famílias, foram fundados na Europa continental um dos quais em Lisboa, o Colégio dos Inglesinhos, no Bairro Alto, que só fechou em fins do século passado. Os padres formados aí voltavam clandestinamente para Inglaterra e viviam escondidos. Membros destas famílias casavam entre si e, sendo esta a minha herança materna, ouvi sempre durante a minha juventude “Tens que casar com um católico. Temos que manter a fé.” Do lado paterno soube que o meu bisavô tinha sido deserdado por se ter convertido ao Catolicismo. No grande hospital londrino onde tirei o curso de enfermagem só no fim dos anos sessenta foi permitido a uma católica ser chefe de serviço. Até à data da Emancipação Católica em 1829, a missa era celebrada na clandestinidade.
Hoje o país é bastante diferente: desde o Concílio Vaticano II tem havido uma aproximação grande entre a Igreja Católica e a Anglicana embora ultimamente não tenha progredido tanto como se desejava. No entanto Bento XVI vai ser recebido na Abadia de Westminster, considerada a Igreja da Coroa, onde celebrará as Vésperas com o Arcebispo de Cantuária e líderes de outras denominações cristãs. O Santo Padre vai também rezar junto ao túmulo do Soldado Desconhecido e na capela dedicada ao rei inglês Santo Eduardo o Confessor. O Rev. John Hall, Deão da Abadia, escreve no The Tablet de 4 de Setembro, sob o título “Os símbolos são mais fortes do que as palavras”, que os gestos simbólicos da oferta do seu anel de pescador pelo Papa Paulo VI ao Arcebispo de Cantuária, Michael Ramsey, na Capela Sistina em 1966, extraordinário na altura, e da oração em conjunto do Papa João Paulo II e o Arcebispo Robert Runcie perante o túmulo de São Tomás à Becket, em Cantuária em 1982, assumiram o objectivo de união visível. A mágoa sentida com a constituição apostólica Anglicanorium Coetibus, que permite aos anglicanos entrar para a Igreja Católica através de um ordinariato, vai sendo atenuada. Acaba dizendo “Através da nossa história fomos guiados pela luz de Cristo. Esta visita pode novamente trazer à atenção do nosso país a verdade de que o orgulho dominou a nossa vontade, amámos a luz extravagante mas a noite é escura. Guia-nos ó Luz bondosa.”
O grande objectivo da visita é a beatificação do Cardeal Newman, ele próprio anglicano convertido ao Catolicismo em 1845, cuja teologia é respeitada por ambas as denominações e muito admirada por Bento XVI.
Segundo Lord Patten, católico e nomeado pelo Governo para coordenar a organização da visita com as Conferências Episcopais de Inglaterra e do País de Gales e a da Escócia, o seu sentimento dominante é de que, para o Papa, este será o país mais assumidamente secularista que já visitou; espera que a visita ajude a sarar feridas antigas e que desafie a intolerância religiosa moderna.
Sondagens indicam que, apesar das tentativas de alguns meios de comunicação de virar a opinião pública contra a visita, duas semanas antes já 30% dos grupos sociais A e B dizem que seguirão a visita com muita ou alguma atenção, o que não é comum em visitas de Estado.
Mary Anne Stilwell d’Avillez