quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Parabéns Bagão

António Bagão Félix>>
Público, 20091024>>
Não sou apreciador da escrita de José Saramago, mas não desconsidero a> sua obra literária.>> Como autor e cidadão, José Saramago tem todo o direito de exprimir as> suas ideias sobre tudo e mais alguma coisa.>> E, naturalmente, de expressar com clareza, frontalidade e liberdade o> seu ateísmo militante. Seja nos seus livros, seja nos seus ditos.>> Mas para se ser respeitado nas suas opiniões, é preciso ter-se a> inteligência, a razoabilidade e a prudência de se dar ao respeito.>> Uma coisa é Saramago defender o seu pensamento livre. Outra é o modo> como o faz. Com acidez, arrogância, intolerância e sectarismo> extremos.>> Pretensamente auto-dotado de uma superioridade intelectual e moral> desde que foi galardoado com o Nobel acha-se pateticamente acima dos> outros. Por isso, não argumenta, agride. Não opina, sentencia. Não> confronta, insulta. Não esclarece, obscurece. Não convoca, provoca.> Não fundamenta, opta pelo fundamentalismo.>> O curioso é que, depois de tudo o que diz e escreve com a liberdade de> que, aliás, felizmente dispõe, estranha as posições de quem o> confronta. Nada que me espante, sabendo-se do modo como tratava os> "delitos de opinião", por exemplo, quando foi director de um jornal.>> José Saramago é um paradoxo: é religiosamente anti-religioso. O seu> proselitismo é a expressão de uma nova moda religiosa: o ateísmo> pretensamente humanista.>> Saramago acaba de editar mais um livro e aproveita a ocasião para um> diktat gratuito tão ao seu gosto pessoal. A Deus tudo culpa, a Deus> chama tudo o que de mal possa haver, ao mesmo tempo que diz não> existir. Em que ficamos?>> A Bíblia, para ele, é um manual de maus costumes e um catálogo de> crueldades, num recorrente certificado de menoridade antropológica do> próprio homem. Não percebe que a Bíblia (e sobretudo o Antigo> Testamento) é também a história da condição humana feita de luz e de> sombras, do bem e do mal que coexistem por conta da liberdade humana.> Deus não nos fez robots. Logo a seguir a Caim e Abel, Deus diz "Meu> espírito não se responsabilizará indefinidamente pelo homem" (Génesis> 6,3).>> Saramago olha para a Bíblia e interpreta-a rudemente à letra, sem> contextualização, como se estivesse a ser escrita agora. Só lhe falta> um Deus a comunicar por telemóvel.>> Saramago odeia visceral e mefistofelicamente a ideia de Deus e dos> Livros Sagrados. Está no seu direito. Mas revê-se no estalinismo, nos> seus gulags e pogroms, para ele, por certo, ícones dos bons costumes e> das boas práticas.>> Saramago é um incompreendido. Nega um Deus (que, apesar de não> existir, é a causa de todos os males.) que, todavia, não é capaz de> esquecer. Deus não existe mas não lhe sai do pensamento. Estranho, não> é? À conta deste pesadelo, decreta impositivamente um atestado de> quase insanidade sobre os que, para si incompreensivelmente, crêem em> Deus. Saramago procura chamar à realidade milhões e milhões de pessoas> que, ao longo dos tempos, vivem nas trevas, sem inteligência e> discernimento, manipuladas por um Deus menor. Cautelosamente, o Deus> menor da Bíblia que não o do Corão .>> Enquanto católico, não sou nem mais nem menos pessoa do que Saramago.> Mas tenho o direito à defesa dos valores em que acredito. Não me> revejo nos arautos da atitude política e religiosamente correcta que,> com calculista "respeitinho" pelo Nobel, se remetem a uma espécie de> coligação do silêncio. Como também não perfilho a ideia da indiferença> ou da contrafacção da religião. A fé é um acto de liberdade porque sem> liberdade não haveria qualquer mérito em crer.>> Que esta polémica de puro marketing tenha pelo menos a vantagem de> levar mais cristãos a ler ou reler a Bíblia. Só por isso agradeço a> Saramago.>> Quanto ao resto, a publicidade não é uma medida divina. Deus é> misericordioso e perdoa a Saramago.>>

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